“Voo SP-Rio na Copa já custa quase o mesmo que ir a NY
Ainda faltam oito meses para a Copa do Mundo começar, mas tente comprar passagens aéreas durante o torneio para ver: o preço chega a ser dez vezes mais alto do que em um dia normal (...)
Uma das explicações dadas pelas empresas aéreas é a lei da oferta e da demanda: se mais gente compra, restam menos lugares no voo -e os assentos que sobram encarecem (...)
O turista que quiser sair do Rio e ir a São Paulo para assistir à abertura da Copa, em 12 de junho, pagará R$ 2.393 ida e volta na TAM. (Na última quinta-feira, o valor era R$ 350 maior; na sexta, dia em que a Folha questionou a empresa, o preço caiu.)
É mais caro do que ir a Curaçao, no Caribe (R$ 1.900), ou a Buenos Aires (R$ 900) e um pouco menos do que o preço para ir e voltar de Nova York ou Paris.
Por outras companhias aéreas, o preço é igualmente alto na ponte aérea durante a Copa. Na Avianca, o bilhete de ida e volta custa R$ 1.893 e na Gol, R$ 1.673.”
Não é ilógico passagens aumentarem de preço. Afinal, a Copa, assim como a Olimpíada, é um evento que tende a atrair turista e, como alegado pelas empresas entrevistadas acima, aumentam a demanda.
O problema é que, ao aumentar o preço de forma excessiva, a maior parte da população fica automaticamente impossibilitada de viajar, seja para assistir aos jogos, seja para trabalhar ou fazer turismo que nada tem a ver com o evento.
O impulso natural é que exijamos que o governo interceda. Algo como tabelar preços ou estabelecer um preço máximo, por exemplo, como já aconteceu tantas vezes (e às vezes ainda acontece) no país. Ou seja, usar a lei para gerenciar a economia.
O problema de usar a lei para regular preços (ou seja, manipular artificialmente a oferta ou demanda) é que isso raramente – e alguns diriam que nunca – funciona como esperado porque, ao interferir, o governo move o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda para um nível insustentável. Por isso políticas econômicas socialistas como a cubana ou venezuelana – ou mesmo planos como o Cruzado, durante o governo Sarney, e Collor – acabam corroendo a economia a longo prazo (ainda que possam gerar benefícios políticos para seus proponentes a curto prazo).
Para quem adota esse ponto de vista, o melhor é deixar o mercado se autorregular. Ou seja, encontrar o ponto de equilíbrio ideal entre demanda e oferta: se os fornecedores aumentam preços de forma excessiva, a demanda cai e eles acabam tendo que ajustar o preço para baixo (ou aceitar o prejuízo).
No caso das Olimpíadas de Londres, por exemplo, os preços cobrados eram tão altos que um mês antes do início dos jogos, o número de quartos alugados era um terço menor do que no ano anterior, forçando os donos de hotéis a baixarem os valores na última hora. E, mesmo com descontos de última hora, a procura por hotéis aumentou apenas 3,2% em relação ao ano anterior. No caso da Copa do Mundo, os números são mais difíceis de serem apurados com precisão, mas estima-se que menos da metade do número de turistas esperados de fato foram aos jogos por causa dos altos preços, forçando a Fifa a vender milhares de ingressos a preços irrisórios na última hora. Mesmo assim, a maior parte dos jogos da primeira fase foi disputada em estádios com lugares vazios.
Ao aumentarem o preço de forma exacerbada, os fornecedores (hotéis, restaurantes, empresas de transporte etc) assumem parte do risco. Mas a outra parte é transferida para o resto da população. Criando o que os economistas chamam de externalidade. Quando o turista não compra a passagem cara, a empresa aérea sai no prejuízo, mas a população, que pagou pelos estádios, rodovias etc, também sai. Triplamente. Primeiro, porque a economia como um todo sofre. O padeiro da esquina vai vender menos porque o garçom do hotel não ganhou gorjeta porque o turista desistiu de visitar um país tão caro. Segundo, porque ao contrário do turista que pode recusar-se a visitar um país que tenha aumentado os preços, a população local não tem a opção de não ficar no país se os preços aumentam em excesso. Ela acaba pagando o preço inflacionado porque não tem opção. E, por fim, porque seus tributos – que geralmente seriam usados para outros fins – foram usados para financiar as obras para aquele evento esportivo na esperança de que o lucro do evento fosse maior que seus custos. Se o evento não dá lucro, a população local fica sem escola e sem dinheiro para construir futuras escola.
Ou seja, ao adotar uma precificação arriscada, a iniciativa privada passa boa parte do risco para a população e governo.
O segundo ponto é que, embora as empresas sofram no bolso as consequências do aumento exagerado e, por consequência, acabem reduzindo tais valores ao perceberem a queda nos lucros, tal reversão acontece, quase sempre, depois que já é muito tarde. Depois do evento ou depois que a maior parte dos turistas já decidiu não viajar para aquele país. No caso do Brasil, isso é particularmente delicado porque Copa e Olimpíada acontecerão próximas uma da outra. Preços exagerados na primeira podem deixar uma imagem de país caro para a segunda, ainda que os preços da segunda sejam mais em conta.
O terceiro ponto é que enquanto hotelaria funciona como economia de mercado, transporte aéreo é um oligopólio: há poucos competidores.
A política de mercado livre funciona bem em economias abertas, mas nem sempre em oligopólios, já que o consumidor não tem alternativas. Ou viaja com empresa A ou B ou C, e se as três aumentam os preços, ele fica sem opção.
Daí a necessidade de a lei dar ao governo instrumentos para punir quem tenta explorar esses desequilíbrios.
O art. 36 da Lei 12.529, diz que é infração da ordem econômica os atos que tenham por objetivo ou que possam aumentar arbitrariamente os lucros. Há dois pontos importantes aqui. Primeiro, não há necessidade de que a empresa de fato consiga aumentar seu lucro de forma arbitrária. Basta que seus atos tenham essa capacidade. E, segundo, não é necessário que ela haja com culpa. Ou seja, a intenção de quem pratica o ato é irrelevante: basta que o ato tenha a capacidade de aumentar os lucros de forma arbitrária.
O §3o desse artigo apresenta uma longa lista de atos que configuram infração da ordem econômica. Mas o aumento exagerado de preços não está entre elas (exceto se as empresas agem em conluio). Isso porque a própria lei diz que sua função é proteger a economia de mercado. Se alguém resolve aumentar o preço de forma irracional em um mercado competitivo em que há livre concorrência, ele pode, pois estará atirando no próprio pé e o mercado corrige essas distorções: seus clientes comprarão de outros fornecedores.
Mas e quando não há livre concorrência porque o número de fornecedores é pequeno?
A lista não é o que os juristas chamam de numerus clausus, ou seja, não é uma lista completa, mas apenas alguns exemplos. Fica a cargo do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (que é um órgão do Cade) analisar, caso a caso, se o aumento preços em um mercado com poucos competidores é ou não uma infração penal.